domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


Ensaio Sobre a Cegueira é bom, enquanto filme. Mas como adaptação do premiado livro de Saramago, é melhor ainda.
O diretor Fernando Meirelles comandou uma produção na qual todos os detalhes são mobilizados em favor da fidelidade à obra. O romance não especifica o local onde a trama se desenrola, uma imprecisão reforçada pela filme através das músicas de diversos países que compõem a trilha sonora, a diversidade de locações (incluindo as cidades de São Paulo e New York), e o anonimato de seus personagens. O elenco também é, digamos, multinacional: temos os estadunidenses Juliane Moore, Mark Ruffallo e Danny Glover contracenando com o mexicano Gael García Bernal, a brasileira Alice Braga e o japonês Yusuke Iseya, vivendo o primeiro homem a ser afetado pela inexplicável cegueira que se alastra rapidamente pela população.
Este caos e desorientação são traduzidos por câmeras que saem de foco, enquadram mal e por várias vezes saturam para a máxima luminosidade ou a completa escuridão. São truques que intensificam os momentos de tensão do filme, que traz a cegueira como uma metáfora para mostrar do que as pessoas são capazes quando vislumbram a expectativa da impunidade. Quando os doentes são presos em um centro de quarentena onde as leis já não se aplicam, Ensaio Sobre a Cegueira faz lembrar o clássico O Homem Invisível, adaptado em 2000 por Paul Verhoeven. Outra referência inevitável são os filmes de George Romero: algumas tomadas de tom mais apocalíptico parecem ter saído diretamente de Madrugada dos Mortos.
Estabelecendo um paralelo com a atuação de Al Pacino em Perfume de Mulher, todos aqui têm o desafio de interpretar cegos que não usam óculos escuros, o que é muito mais difícil. Por vezes os atores caem na armadilha de não "olhar" para a direção em que alguém está falando com eles, como faria uma pessoa que perdeu a visão recentemente. No fim das contas, Juliane Moore, que vive a única pessoa imune a doença, defende um papel de alta carga dramática e brilha nas poucas oportunidades em que precisa fingir estar contaminada. Enquanto assistia ao filme, me perguntei se seria cedo para imaginar um Oscar pra a atriz.

P.E: Diabos, lá vou eu falando em Oscar de novo...

Nota: 7,0 (de dez)

3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Primo, pode ser que eu esteja indo além do que você propõe aqui, mas ao assistir Ensaios eu "enxerguei" além. Peguei-me fazendo uma análise extremamente baseada nos filósofos contratualistas, em especial Thomas Hobbes.
Segundo os Contratualistas, os indivíduos viviam em um estágio no qual o homem estaria fora do contexto social e político, chamado de Estado de Natureza, e este Estado poderia ser tanto pacífico quanto belicoso.
Para Hobbes o Estado é hipotético, uma abstração teórica; belicoso, cheio de hostilidade e em conflito afetivo; o indivíduo convive em sociedade após a concretização do contrato social, no intuito de atender seus interesses.
Os contratualistas reconhecem que não há uma tendência natural do homem para viver em sociedade, o que existe é uma necessidade de sobrevivência, e por isso eles se associam. Assim como Saramago vislumbra em seu livro.
Os cegos se vêem em um local onde não existe ordem (Estado de Natureza) e são forçados a estabeleceram uma contrato entre todos para uma convivência, no mínimo organizada. Quando o contrato é "quebrado" pela monarquia estabelecida pelo auto-proclamado do Rei da Ala 3, o caos se instala.
Talvez Saramago nem tenha pensado nos contratualistas Hobbes,Rousseau e Locke, mas ainda assim a idéia me pareceu bastante factível. E uma pergunta me veio à mente: será que, se a sociedade como um todo for falseada de um dos seus sentidos básicos, o caos se estabeleceria e sairíamos de um Estado Civil para um Estado de Natureza ou a ordem se estabeleceria de uma forma ou de outra como mostra o livro de Saramago.

Beijos da sua prima internacionalista predileta

17 de setembro de 2008 às 15:24  
Blogger Renato Cordeiro disse...

Sua leitura faz muito sentido, Paula. Só acho que Saramago sabia exatamente do poder simbólico que a cegueira exerce na trama, por investir aos personagens o poder (ou ao menos a expectativa) da impunidade. É a partir daí que produzimos qualquer leitura que denuncia a fragilidade (e inevitabilidade) do arranjo social.
Eu mesmo pensei na Teoria do Jogo para pensar no comportamento dos rsidentes da Ala 3 quando são procurados pelo personagem de Mark Ruffalo.
E é claro, pensei na minha vó Maria, que costumava dizer: "todo mundo é bom, mas meu casaco sumiu".

17 de setembro de 2008 às 20:32  
Blogger Unknown disse...

Apenas para corrigir pq ficou meio cacofônico. Paula, os cegos não se vêem.

6 de dezembro de 2010 às 18:59  

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